E te imagino então parado sozinho sobre a faixa interminável de areia, o vento que bate em teu rosto, as mãos com os dedos roxos de frio enfiados até o fundo dos bolsos, o vento e novamente o vento que bate em teu rosto, esse mesmo que me olha agora, raramente. Teu olho bate em mim e logo se desvia, como se em minhas pupilas houvesse uma faca, uma pedra, um gume. Teu rosto mais nu que sempre, à beira-mar, com esse vento a bater e a revolver teus cabelos e pensamentos, e eu sem saber o que me revolve agora, quando teu olho outra vez escorrega para fora e longe do meu, entre tua testa larga, de onde às vezes costumas afastar os cabelos com ambas as mãos, numa mistura de preguiça e sensualidade expostas, e quando teu olho se afasta assim, não sei para onde, talvez para esse mesmo lugar onde te encontravas ontem, à beira do mar aberto, onde não penetro, como não te penetro agora. Mas é quando a pedra ou faca no fundo do meu olho afasta o teu, é que te olho detalhado. E nunca saberás quanto e como já conheço cada milímetro da tua pele, esses vincos cada vez mais fundos circundando as sobrancelhas que se erguem súbitas para depois diluírem-se em pêlos cada vez mais ralos, até a região onde os raspa quase sempre mal, e conheço também esses tocos de pelos duros e secretos, escondidos sob teu lábio inferior levemente partido ao meio, e tão dissimulado te espio que nunca me percebes assim, te devassando como se através de cada fiapo, de cada poro, pudesse chegar a esse mais de dentro que me escondes sutil, obstinado, através de histórias como essa do mar, das velhas tias, das iniciações, dos exílios, das prisões, das cicatrizes, e em tudo que me contas pensando suponho, que é teu jeito de dar-se a mim...
Caio Fernando Abreu
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