domingo, 3 de maio de 2009

Médico de flores




"Fiquei pensando que, mais ainda que ex-passageiro do Caravelle, gostaria de ter nos meus cartões de visita: V. de M., médico de águas. Assim seria apresentado às pessoas nas festas, em vez de como poeta ou diplomata. E ante a estranheza que lhes causaria o título, eu confirmaria gravemente:
- Sim, minha senhora, médico de águas, para servi-la...
Depois a imaginação se me partiu, e eu fiquei achando que médico de flores seria ainda mais belo. Que linda e honesta profissão a ter! E como eu seria o único do Rio, não chegaria para as encomendas, com uma clientela de fazer inveja a meus amigos os drs. Clementino Fraga Filho, Marcelo Garcia e Ivo Pitanguy, dentro de suas especialidades. Estaria assim muito bem no meu consultório e de repente minha mãe, aflitíssima, telefonaria: "Meu filho, vem depressa que minhas rosas estão morrendo..." E eu partiria com a minha maletinha para auscultar o coração das rosas, aplicar-lhes a coramina das flores, fazer-lhes transfusão de seiva, reavivar-lhes as cores, a fragrância, a beleza. E mal chegado a casa já haveria recados de milhões de amigas preocupadíssimas com suas azáleas, seus redodendros, seus antúrios. E eu voltaria feliz e diria com orgulho e alegria à Bem-Amada: "Acho que consegui salvar as rosas de minha mãe." E a Bem-Amada ficaria muito contente e me daria um beijo. E eu daria também consultas a flores pobres, e na rua todas as damas me sorririam com simpatia e respeito, cumprimentando- me com graciosos ademanes. E eu as cumprimentaria de volta, com a circunspecção que deve ter um médico de flores."

Vinícius de Moraes

3 comentários:

  1. Ser médico de águas é uma boa idéia. O mundo está realmente precisando.

    Beijos!

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  2. falando de vinicius? quem será? quem será? um misterio a ser desvendado!
    hehehehe
    Muito lindo!

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